Retirantes de Candido Portinari: análise e interpretação do quadro

Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 5 min.

Retirantes é um quadro de Candido Portinari, pintado em 1944 em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

O painel é um óleo sobre tela e tem 190 X 180 cm, faz parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e retrata uma família de retirantes, pessoas que se retiram de uma região para outra em busca de condições melhores de vida.

quadro Retirantes de Candido Portinari

Análise e interpretação

Os principais elementos da tela

O quadro é composto por tons terrosos e cinza. A família de retirantes ao centro toma quase a totalidade da tela. O contorno escuro dos personagens dá um tom pesado à obra. Ao fundo se vê a paisagem do sertão.

Urubus

O chão é duro, com pedras e ossos espalhados, e a única coisa que se vê no horizonte é o contorno quase indistinto de uma montanha. O horizonte é claro, mas o céu é escuro e cheio de aves negras que rodeiam a família como se estivessem esperando pela morte deles.

Ainda se vê um pequeno grupo de aves que desce em direção ao solo, todas muito próximas, como urubus atacando uma carniça.

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Crianças

Há cinco crianças na pintura. Duas estão ao colo e as outras três estão em pé. Uma das crianças no colo é grande, porém raquítica. As pinceladas escuras ao longo da figura dão a impressão de que ela é feita apenas de ossos.

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No primeiro plano vemos uma criança em pé, com a barriga saliente e o pescoço muito fino. O tamanho da barriga, desproporcional ao resto do corpo, indica que a criança tem barriga d'água.

Essa doença é muito comum nos lugares marcados pela seca extrema, onde a única fonte de água vem de açudes e não é tratada. A presença dessa criança nos traz a imagem de uma extrema pobreza que também convive com a sede.

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Adultos

Enquanto os olhares das crianças são distantes e desolados, os adultos apresentam expressões mais fortes, que beiram o desespero.

O homem que carrega uma trouxa nas costas e conduz uma criança pelas mãos parece estar olhando fixamente para o pintor, o que dá para a pintura um caráter de retrato. Seu olhar também parece um apelo, um pedido de ajuda.

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Interpretação

O quadro é um retrato da miséria de uma família de retirantes entre tantas outras. Fogem da seca e da fome do Nordeste em busca de uma vida melhor mais ao Sul. O quadro faz parte de uma série composta por mais duas obras: Criança morta e Enterro na Rede.

Todas as peças são compostas pelo mesmo tema e com as mesma tonalidades, dando uma unidade para o conjunto. O tema é a seca, que provocou muitas mortes e uma migração em massa.

As convicções políticas e a consciência social do pintor são essenciais na composição dessa obra. Retratar a miséria, de uma forma tão crua, é um modo de se posicionar contra ela. Ao mesmo tempo em que as cidades brasileiras se desenvolviam, o campo era o palco da fome.

Contexto

Portinari nasceu e cresceu na cidade de Brodowski, que fica no interior de São Paulo, em 1903. Filho de imigrantes italianos que trabalhavam em plantação de café, Portinari teve uma infância simples.

As imagens de quando ele era criança são constantes inspirações para as suas obras. Portinari fala como os retirantes o impressionavam, principalmente na fase da grande seca de 1915, que matou milhares de pessoas e levou à fuga de muitas outras.

A miséria dos retirantes e a esperança de uma vida melhor marcaram o menino que via uma leva de migrantes passando pela sua cidade.

Portinari se muda para o Rio de Janeiro aos quinze anos para estudar pintura. Lá, aprimora as suas técnicas e se dedica a retratos com o objetivo de ganhar a medalha de ouro do Salão da Escola Nacional de Belas Artes (Enba). Ele de fato ganha o Prêmio em 1928, o que lhe dá a oportunidade de morar na França por dois anos, de onde viaja pela Europa.

No velho continente, Portinari entra em contato com diversas obras, tem grande admiração por Rafael e Ticiano, pintores clássicos. O tempo passado na Europa serve para o artista ter uma visão mais afastada da sua infância e da sua cidade natal.

Essa visão possibilita um entendimento melhor de suas origens, que serão abordadas diversas vezes em suas obras. Ele volta ao Brasil em 1931, decidido a retratar as imagens da sua infância e do seu povo.

Portinari define a sua pintura como sendo "de camponês". Seus pais eram camponeses pobres e ele não podia se esquecer deles. Com o final da Segunda Guerra e o começo da abertura política no Brasil, Candido se filia ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Portinari diz não entender de política, mas tem convicções profundas e chegou a elas devido à sua infância pobre, ao seu trabalho e principalmente devido ao seu interesse artístico. Para o pintor não existe obra neutra. Mesmo quando o artista não tem intenção, o quadro sempre indica um sentido social.

Conheça também

Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).