O Príncipe de Maquiavel explicado

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 10 min.

O Príncipe, criado em 1513 e publicado em 1532, foi escrito por Nicolau Maquiavel (1469-1527) e é um dos mais importantes ensaios de política do mundo ocidental. A obra é uma referência nas ciências humanas e é muito estudada especialmente nas áreas do direito, da filosofia e da sociologia.

Na obra que se tornou clássica, Maquiavel escreveu não só como um político deveria conquistar o poder, mas sobretudo o que ele deveria fazer para se manter no seu cargo de liderança.

Explicação da obra O Príncipe

Na sua obra mais famosa, Maquiavel, ao longo de 26 capítulos, escreveu sobre a política na prática, como ela é, e não no plano das ideias, na teoria presente nos livros.

O escritor, que viveu durante muitos anos nos bastidores do poder de Florença, teve a coragem de colocar no papel aquilo que considerava ser correto e incorreto, ético e condenável, para um político se estabelecer no poder.

O senso de moralidade de Maquiavel, no que se referia a política, foi delineado com base no que ele assistia no dia a dia da vida pública em Florença. O objetivo maior de Maquiavel ao escrever O Príncipe era demonstrar todo o seu conhecimento político prático para a família Médici, que estava no poder, a fim de conseguir reaver o cargo público que tinha.

Depois que o seu protetor Soderini saiu do poder, Maquiavel ficou cada vez mais distante da vida pública de Florença. Através do seu livro, Nicolau Maquiavel queria mostrar que estava por dentro das questões políticas palacianas florentinas e dos principais centros da Europa.

O destinatário do seu livro era Lorenzo di Piero de Médici (1492-1519), que governou Florença durante três anos e a quem Maquiavel tentou impressionar.

Principais temas discutidos em O Príncipe

Política

Para Maquiavel, em O Príncipe, todas as sociedades precisam de uma estrutura que ordene e domine o coletivo, caso contrário terá lugar a anarquia e o conflito.

A natureza do homem é, para o escritor, egoísta e corruptível, e o ser humano pensa, acima de tudo, no seu próprio prazer. Diante dessa verdade, cabe ao Estado regular as relações entre os homens e cabe ao líder pensar no bem coletivo não permitindo que atitudes egoístas individuais destruam o bem comum.

A política seria justamente essa vocação para organizar a cidade, para impedir que destruidores dominassem o espaço público. Dominar politicamente é, portanto, essencial para o bem coletivo.

Pode-se dizer que a perspectiva de Maquiavel sobre o assunto é pessimista nesse quesito se comparada com a tese dos filósofos gregos, por exemplo, que viam o bem comum e a felicidade como os pilares essenciais para se construir a vida política. Para Maquiavel, a vida política é necessária para que os homens não destruam uns aos outros.

Características de um príncipe

Segundo o Maquiavel, um príncipe deve apresentar cinco características essenciais para ser capaz de governar e se estabelecer no poder: piedade, fidelidade, humanidade, integridade e religiosidade.

Não é preciso que o líder tenha todas essas características, mas é preciso que o povo acredite que o líder as tem, ainda que para isso ele precise agir de modo “falso”. Isto é, o príncipe deve conseguir transparecer para os seus súditos essas cinco características para convencer as pessoas e se manter no cargo, ainda que elas não sejam verdadeiras, genuínas.

Um líder deve manter sempre uma postura de autoridade e confiança, apesar de nunca dever confiar na lealdade dos seus súditos. O ser humano pensa, antes de tudo, no seu próprio bem-estar individual, por isso o líder deve manter uma postura de desconfiança, esperando sempre do outro que ele se torne em algum momento o seu rival.

Como governar

Para governar, um príncipe precisa ter fortuna (palavra que usa como sinônimo de sorte) e virtude (que nesse contexto quer dizer habilidade de governar e negociar).

Esse “jogo de cintura”, que Maquiavel se refere, não tinha uma conotação negativa no sentido do governante ser malicioso ou cruel, o intelectual fala aqui de uma característica diplomática, mediadora, de quem tem habilidade de “saber estar”.

Maquiavel reconhece que a política é dinâmica e muda muito rápido, por isso um príncipe deve estar sempre atento e atuar assim que for necessário. Um príncipe também deve ser firme, capaz de manter a segurança do país que lidera, mesmo que para isso seja preciso entrar em conflitos e guerras.

Idealmente Maquiavel assume que todo político deveria ser, ao mesmo tempo, amado e temido. Mas, no caso de uma das características não existir, o intelectual recomenda que o líder seja antes de tudo temido, ao invés de amado.

Maquiavel também comenta que, às vezes, um político não pode honrar a palavra dada e, quando isso acontecer, não deve ter medo de ser enérgico. O povo deve temer o seu líder, mas um líder jamais deve temer os seus súditos.

Uma das citações mais conhecidas da obra de Maquiavel fala justamente sobre a importância de um político ser, ao mesmo tempo, querido e temido pelo seu povo:

Daí nasce uma controvérsia, qual seja: se é melhor ser amado ou temido. Pode-se responder que todos gostariam de ser ambas as coisas; porém, como é difícil conciliá-las, é bem mais seguro ser temido que amado, caso venha a faltar uma das duas. Porque, de modo geral, pode-se dizer que os homens são ingratos, volúveis, fingidos e dissimulados, avessos ao perigo, ávidos de ganhos; assim, enquanto o príncipe agir com benevolência, eles se doarão inteiros, lhe oferecerão o próprio sangue, os bens, a vida e os filhos, mas só nos períodos de bonança, como se disse mais acima; entretanto, quando surgirem as dificuldades, eles passarão à revolta, e o príncipe que confiar inteiramente na palavra deles se arruinará ao ver-se despreparado para os reveses.

A ética do político

Mentir, distorcer os fatos, ameaçar os opositores, tirar dinheiro e poder dos ricos e dar aos pobres, usar de charme, palavras bonitas e de efeito… para manter-se no poder!

Maquiavel sublinha em O Príncipe que um bom político deve ser capaz de manipular a realidade, muitas vezes mentindo ou enganando para se perpetuar no poder.

Interpretado por muitos como um escritor que elogiava o desonesto, Maquiavel quis, através da sua obra, mostrar o funcionamento da máquina política como ela é. O escritor assistiu durante a vida muitos líderes optarem por posturas eticamente questionáveis para conseguirem aquilo que queriam no final: se manter no poder.

Apesar de não ter escrito a frase “os fins justificam os meios”, que foi erroneamente atribuída a Maquiavel, a sentença ajuda a compreender um pouco da essência exposta pelo pensador na sua obra O Príncipe.

O estigma do escritor foi tão forte que a palavra maquiavélico, um substantivo pejorativo, é usado até os dias de hoje para se referir aqueles que manipulam para alcançarem o que desejam.

Contexto histórico

A família Médici era muito poderosa na região, tendo governado Florença durante cerca de 100 anos. A Florença de 1500 era um polo importante: foi o berço do humanismo, a capital do Renascimento, e brilhou durante um período marcado por uma efervescência cultural, social e política.

Por outro lado, havia muita instabilidade na região, muitos conflitos na Itália, que ainda não era unificada e era frequentemente palco de batalhas que geravam enorme derramamento de sangue.

Em termos de sistema político, Florença não era uma monarquia como muitos Estados europeus daquela época. A região era uma República, onde o poder estava concentrado nas mãos de algumas poucas famílias ricas.

Nicolau Maquiavel, que havia nascido em Florença (e morreu na mesma cidade), era um defensor da República, tendo tido alguns altos cargos políticos públicos como chanceler, embaixador e conselheiro.

Maquiavel estava vendo a estrutura política que acreditava ser a ideal ruir. Com os desdobramentos do fim da República, Maquiavel chegou a ser preso, torturado e exilado no campo.

O escritor no final da sua vida achou que Florença ia ser governada por um príncipe e, por isso, resolveu escrever para Lorenzo di Piero de Médici, o maior candidato ao cargo, para conseguir a sua função de conselheiro de volta. Maquiavel queria, portanto, através do seu livro, demonstrar de forma clara e didática que tinha muito conhecimento sobre o funcionamento da sociedade.

Maquiavel esteve mergulhado na vida política italiana

O escritor criou O Príncipe em 1513, muitos anos antes de a obra ser publicada (O Príncipe foi publicado em 1532, cinco anos depois da morte do autor). A sua intenção era inicialmente ser lido pelo neto de Lourenço de Médici (o Magnífico), Lorenzo di Piero de Médici (1492-1519), que governava Florença durante aquele período histórico.

Lorenzo esteve no poder por apenas três anos, mas a sua família era influente na região há décadas.

Nicolau Maquiavel testemunhou um momento político importante, entre o século XV e o XVI, quando os governos pós Idade Média começaram a se estabelecer de modo mais estável.

Em 1498, Maquiavel foi nomeado secretário e segundo chanceler da República Florentina tendo sido um nome muito importante da vida pública na região.

Maquiavel foi observador na eleição papal de 1503, por exemplo, e esteve ao lado de Júlio II na sua primeira conquista além de ter organizado uma força de infantaria para capturar Pisa novamente em 1509.

Em 1512, no entanto, Maquiavel perdeu o poder que tinha e chegou a ser torturado e preso, tendo que se refugiar no campo ao lado da mulher e dos seis filhos. Foi durante esse período recluso que mais escreveu tendo criado inclusive O Príncipe.

O Príncipe é uma obra atemporal

Apesar de ter sido escrito num contexto histórico completamente diferente, a obra de Maquiavel dialoga conosco até os dias de hoje exibindo o comportamento típico de muitos indivíduos que optaram pela vida política.

O escritor há mais de 500 anos já resumia a sociedade dividindo-a em dois grupos: os poderosos e os que obedeciam. Mesmo sabendo que governos caem e outros ascendem, porque o sistema político é por natureza dinâmico, a sociedade continua sendo regida a partir dessa divisão básica em dois grupos.

Se quiser conhecer mais profundamente o autor vá para o artigo Nicolau Maquiavel: biografia e principais obras.

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).