Livro O Ateneu, de Raul Pompeia (resumo e análise)

Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Tempo de leitura: 15 min.

O Ateneu é um romance de Raul Pompeia publicado pela primeira vez em 1888. Com linguagem rebuscada, o livro conta a história de Sérgio e sua vivência dentro de um colégio interno.

O modo que o autor descreve as relações afetivas do personagem principal com seus colegas foi revolucionário para a época.

O livro é considerado um "romance de formação", ou seja, uma narrativa em que acompanhamos a trajetória do protagonista desde a infância até a maturidade.

Resumo da obra

O romance começa com os primeiros contatos de Sérgio com o colégio interno chamado Ateneu. Antes mesmo de ser matriculado no colégio, ele visita as instalações num dia de festa, e a pompa e a beleza conquistam a criança, que passa a ficar ansiosa para estudar lá.

Sérgio e seu pai fazem uma visita à casa do diretor Aristarco. Lá conhecem a sua esposa, o símbolo da maternidade no internato. D. Emma sugere que Sérgio corte o seu cabelo curto. Isso representa a mudança e o amadurecimento de Sérgio, que sai do ambiente familiar para viver uma outra realidade no internato.

Mas um movimento animou-me, primeiro estímulo sério da vaidade: distanciava-me da comunhão da família, como um homem!

Logo ao entrar no Ateneu, ele é recomendado ao professor e, na sua primeira aula, tem um desmaio ao se apresentar para a sala. Após o desmaio, ele começa a ser perseguido por um de seus colegas.

As festividades que Sérgio presenciou e que o encheram de ideias de grandeza moral e de aquisição de conhecimento foram ilusórias pois, após o primeiro dia de aula, ele percebe que será difícil perseguir esses ideais no colégio.

Um dos momentos mais marcantes na vida do internato era o banho, em que as crianças se lavavam em uma enorme piscina. Foi em um destes banhos que Sérgio foi salvo de um afogamento por seu colega Sanches, que ele desconfia ter sido também o responsável pelo acidente.

O salvamento cria uma relação entre Sérgio e Sanches, que tem como fato significativo a sensação de dívida que Sérgio possui. Os dois se tornam bem próximos. Para Sérgio, a relação tem suas vantagens. Sanches é um bom aluno e a amizade o favorece nos estudos e nas relações com os professores.

Porém, com o tempo, Sanches passa a fazer cada vez mais aproximações físicas, e estas aproximações começam a incomodar Sérgio, que procura se afastar do amigo. Sanches não fica feliz em ser desprezado e usa a sua posição de prestígio para prejudicá-lo.

Após esse episódio, Sérgio se torna um mau aluno. Ele passa a ser citado no "livro de notas" de Aristarco, um temível caderno onde as faltas dos alunos são anotadas e depois expostas para todo o colégio durante o café da manhã.

Aqui não está a imoralidade. Se a desgraça ocorre, a justiça é o meu terror e a lei é o meu arbítrio!

Sérgio procura na religião um escape para as falhas morais que o cercam. Sua religiosidade é um pouco mística. Ele não participa com afinco das atividades religiosas do internato. Sua dedicação à religião é subversiva, evitando os cultos institucionalizados.

É nesse momento que Sérgio se aproxima de Franco, um aluno esquecido por seus pais dentro do internato e desprezado pelo diretor. Franco é uma figura comum no "livro de notas" e a amizade entre os dois alunos é vista com desprezo pelo diretor e pelos professores.

Um dia, Franco resolve se vingar de seus colegas que o machucaram e planeja uma grande vingança. Ele chama Sérgio para escapar à noite do dormitório e encher a piscina do banho com cacos de vidros. Sérgio não toma parte na ação, mas assiste a Franco preparar a sua vingança.

A arte é primeiro espontânea, depois intencional.

Sérgio não consegue dormir, pensando nas crianças que ficarão feridas no banho de manhã. Insone, ele vai até a capela onde adormece enquanto reza pedindo uma intervenção divina.

Sérgio é acordado pela manhã e, surpreso, vê seus colegas sem nenhum machucado. Antes do banho matinal, o zelador foi lavar a piscina e descobriu os cacos de vidro. Sérgio tem que inventar uma mentira para não denunciar Franco e escapar do castigo.

Ele passa a conviver com Barreto, um aluno muito religioso. Barreto passa os dias descrevendo o inferno e a fúria de Deus para Sérgio, que diante de tais imagens abandona a sua religiosidade e a amizade com Barreto.

Iniciara-me Sanches no Mal; Barreto instruiu-me na Punição.

Sérgio passa por um período difícil no Ateneu, com amizades de interesses e pouca aptidão para as aulas. Com dificuldades para se adaptar, ele recorre ao seu pai, contado-lhe como as coisas estavam indo. O conselho de seu pai lhe devolve o ânimo e Sérgio começa a buscar independência dentro do internato.

O clube literário do internato passa a ser um dos refúgios de Sérgio, que tem uma participação discreta no Grêmio Amor ao Saber. Ele desenvolve, então, uma relação com a leitura e com Bento Alves, um aluno mais velho que também é bibliotecário no Ateneu.

A relação entre Bento e Sérgio se torna intensa, Bento dá muitos livros de presentes para Sérgio e os dois passam bastante tempo isolados lendo. Essa convivência intensa gera algumas desconfianças dos outros alunos, que começam a comentar sobre o relacionamento dos dois.

Confusamente ocorria-me a lembrança do meu papelzinho de namorada faz-de-conta, e eu levava a seriedade cênica a ponto de galanteá-lo, ocupando-me com o laço da gravata dele, com a mecha de cabelo que lhe fazia cócega aos olhos.

Nesse meio tempo, um crime passional acontece dentro do Ateneu. O jardineiro mata a facadas outro funcionário por causa de uma disputa pelo amor de Ângela, uma espanhola que trabalhava para o diretor Aristarco.

A seguir, ocorrem os exames do primário e uma exposição artística. Esse é um motivo de orgulho para o diretor, que colhe os louros do seu trabalho, seja nos resultados dos exames ou nos inúmeros retratos que os alunos fazem dele. Raul Pompeia nos mostra o narcisismo do diretor, que fica muito feliz com a adoração dos alunos.

Sérgio narra dois passeios pelo Rio de Janeiro, o primeiro é um passeio pelo Corcovado, que começa com uma enorme animação dos alunos e acaba com todos exaustos. O segundo e o mais marcante é uma refeição no meio do Jardim Botânico.

jardimbotânico
Ilustração retratando o Jardim Botânico

A tarde passada no Jardim Botânico é uma espécie de fuga da vida no internato. As crianças passeiam livres e, quando a mesa é posta, elas avançam sobre a comida.

Aristarco vê a cena sorrindo com benevolência. Até que uma chuva forte começa a cair, deixando a comida e todos molhados.

O momento de felicidade deixado pelo passeio no Jardim Botânico acaba rapidamente. Sem maiores motivos, Bento e Sérgio se envolvem em uma briga. Bento consegue fugir, mas Sérgio é pego por Aristarco. Confuso, ele agride o diretor e fica à espera de um grande castigo, mas o diretor passa a tratá-lo com silêncio e a punição nunca chega.

É descoberta uma carta de amor trocada por dois alunos e assinada como Cândida. O diretor anuncia o conhecimento da carta e que uma investigação já tinha identificado o autor e os cúmplices. Aristarco humilha os envolvidos, principalmente Cândido, o autor da carta.

O medo se instala no Ateneu, pois muitos conheciam a relação e podiam ser punidos como cúmplices. Em meio a todas as tensões, uma revolta começa no internato. Franco é agredido sem motivos por um inspetor, os alunos se revoltam e o caos é instalado no Ateneu. Além da agressão, a qualidade da comida também é motivo para a revolta.

Era a revolução da goiabada! Uma velha queixa.

Depois de reassumir o controle da situação, o diretor Aristarco decide não punir ninguém, toda a revolta acaba sendo direcionada para a goiabada, de péssima qualidade.

O diretor diz ter sido enganado pelo fornecedor e prometeu melhorar a qualidade da sobremesa. Os alunos passam impunes e o internato pode continuar funcionando com todas as mensalidades sendo pagas.

Sérgio começa uma nova amizade com Egbert, e o próprio narrador nos diz que essa foi a sua primeira amizade verdadeira, sem nenhum interesse. É com seu novo amigo que ele vai jantar na casa de Aristarco, onde ele pode ver novamente a D. Emma.

Começam as provas institucionais, em que alunos de diversas escolas vão fazer os testes oficiais. Sérgio descreve todo o ambiente opressor e das sensações e expectativas durante os testes. Ele já está morando no alojamento dos grandes, e lá possui mais liberdade.

A vadiagem dos dormitórios não consistia só em palestra. Depravados pelo aborrecimento e pela ociosidade, inventavam extravagâncias de cinismo.

Seu amigo Franco cai doente e depois de pouco tempo morre por conta do descaso do médico e da falta de cuidados. No fim do ano letivo, uma grande festa é preparada no Ateneu e os alunos planejam oferecer ao diretor um busto de bronze.

A ideia de ser imortalizado numa estátua gera grandes expectativas no diretor. A festa é enorme e cheia de pessoas importantes.

Durantes as férias Sérgio fica no colégio com alguns outros alunos pois sua família está morando na Europa. Ele adoece e fica aos cuidados da enfermeira. Sérgio começa a estabelecer uma ligação com ela.

Ainda durante as férias o Ateneu pega fogo, e Aristarco se vê sem a instituição que ele criou e que definiu quem ele é.

Personagens principais

Sérgio

É o narrador e personagem principal, e, ao longo do romance, acompanhamos as mudanças que acontecem ao estudar no internato.

Aristarco

É o diretor da instituição. Com um jeito um pouco paterno, ele molda as crianças do Ateneu. Muito vaidoso, fica admirado de si mesmo e dos sucessos do internato.

D. Emma

É a esposa do diretor, tem um jeito materno com as crianças. Sérgio tem uma pequena paixão por ela.

Ângela

É a empregada da família do Aristarco, ela representa a paixão carnal para os alunos. É por causa dela que um assassinato é cometido no Ateneu.

Rebelo

É um dos melhores alunos do Ateneu, exemplar em comportamento e em estudos. Foi recomendado para Sérgio logo nos seus primeiros dias de aula.

Sanches

É um dos primeiros relacionamento de Sérgio no Ateneu, que está envolvido com o afogamento e salvamento de Sérgio.

Franco

É um aluno que sofre do abandono dos pais e do desprezo de Aristarco, acaba morrendo no internato.

Bento Alves

É uma criança forte e um pouco submissa. Sérgio se vale da amizade dele para se proteger.

Egbert

É o único verdadeiro amigo de Sérgio.

Realismo em O Ateneu

As descrições

Raul Pompeia é, junto com Machado de Assis, um dos grandes representantes do realismo brasileiro, e, assim como o famoso escritor de Dom Casmurro, Pompeia tem o caráter de um memorialista em sua obra.

As belas e vastas descrições das cenas são colocadas mais para ambientar o leitor do que para servir de pompa para o romance.

Eu tive a ideia de armar em capela o compartimento do meu número. Havia compartimentos enfeitados de cromos e desenhos: o meu seria um bosque de flores, e eu acharia uma lâmpada minúscula para conservar lá dentro acesa. Ao fundo, em dourado passe-partout, alojaria Santa Rosália, a padroeira.

O internato é retratado em suas nuances, principalmente as características sórdidas, como a "prisão" onde eram levados os grandes desordeiros ou a "piscina" onde os alunos tomavam banho.

Essas descrições associadas ao uso de uma linguagem formal e complexa colocam o leitor no mesmo ambiente em que se passa o romance.

Os elementos psicológicos em O Ateneu

Outra característica comum entre Pompeia e Assis é o uso do psicologismo em seus livros. Em O Ateneu, o universo psicológico envolve todo o romance.

As relações de Sérgio com a sua família são substituídas em parte pelo diretor Aristarco. Uma figura de paternidade tirana, que usa de subterfúgios psicológicos para educar seus alunos, ora sendo extremamente rígido e ora se mostrando decepcionado com eles.

No Ateneu formávamos a dois para tudo. Para os exercícios ginásticos, para a entrada na capela, no refeitório, nas aulas, para a saudação ao anjo da guarda, ao meio-dia, para a distribuição do pão seco depois do canto.

Enquanto Aristarco representa a figura paterna, sua mulher se torna a figura de uma certa adoração por parte dos alunos. Sérgio se vê apaixonado pela mulher do diretor, assim como muitos dos outros estudantes.

Um dos prêmios por ser bom aluno era poder jantar na casa do diretor, momento desejado por todos, pois poderiam estar ao lado de sua esposa.

Em O Ateneu, o maior desenvolvimento do psicologismo acontece nas relações entre os próprios estudantes. O internato funciona como um "mini cosmo", com as suas próprias hierarquias e relacionamentos. Porém, a réplica social da escola está restrita a um meio só de homens, sendo a maioria na pré-adolescência.

Sanches foi-se aproximando. Encostava-se, depois, muito a mim. Fechava o livro dele e lia no meu, bafejando-me o rosto com uma respiração de cansaço.

As relações do personagem principal com seus colegas é marcante no livro. Sem nunca ser explícito, há sempre uma espécie de afetividade homossexual nessas relações.

Enquanto o que rege a relação entre os alunos e o diretor é o dinheiro, entre os próprios estudantes é a libido e as relações de forças internas que são responsáveis pelos relacionamentos.

Análise: a crítica social de Raul Pompeia

Os microcosmos do internato refletem as relações de toda a sociedade. Raul Pompeia aproveita esse ambiente como um experimento social para desvendar e criticar a sociedade carioca do final do século 19.

O diretor Aristarco, como símbolo do poder, media as relação de dinheiro e de interesse dentro do Ateneu.

O tratamento dos alunos depende da mensalidade paga e do prestígio que as suas famílias têm na sociedade. Enquanto os filhos de figurões são bem tratados, mesmo sendo maus alunos, os devedores de mensalidade são sujeitos à inúmeras humilhações.

Pompeia dá especial destaque à relação de Aristarco com seu futuro genro, um aluno que mesmo não possuindo nenhum talento é sempre destacado para as grandes atividades.

Daí por diante era fatal o conflito entre a independência e a autoridade.

A hipocrisia da sociedade também é criticada por Raul Pompeia. O ambiente cotidiano do internato, obscuro e opressivo, é contrastado com os grande eventos do Ateneu. Nas festas, a opressão se torna disciplina e o ambiente se transforma festivo e convidativo.

O autobiográfico em Raul Pompeia

Uma das principais características do realismo é o narrador em terceira pessoa. Isso possibilita um afastamento do narrador em relação às personagens e aos acontecimentos do romance, tornando a obra o mais "realista" possível.

É na figura do narrador que Raul Pompeia se afasta um pouco do realismo. O Ateneu é narrado em primeira pessoa pelo personagem principal, Sérgio, como uma espécie de livro de memórias. O afastamento do narrador em terceira pessoa é substituído por uma experiência mais real que vem da vivência.

Alguns fatos da vida de Raul Pompeia colaboram para a teoria de que sua obra possui características autobiográficas. Isso explicaria a escolha de um narrador em primeira pessoa. Se o próprio autor possui uma proximidade com a obra, o narrador não poderia estar afastado.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.