Livro O pagador de promessas, de Dias Gomes
Criada em 1960, a peça O pagador de promessas foi o maior sucesso do dramaturgo brasileiro Dias Gomes.
Originalmente escrita para o teatro, a peça de Dias Gomes foi encenada pela primeira vez em 1960. O roteiro é dividido em três atos e conta a trágica trajetória de Zé-do-burro.
A história atravessou fronteiras e foi adaptada para o cinema. O sucesso foi tamanho que a adaptação cinematográfica recebeu a Palma de Ouro no festival de Cannes em 1962.
O texto está traduzido para diversos idiomas, entre eles: inglês, francês, russo, polonês, espanhol, italiano, vietnamita, hebraico e grego.
Resumo
A história se passa em Salvador. Quando o pano sobe, o teatro está quase as escuras. No palco, encontra-se uma paisagem tipicamente baiana, da Bahia velha e colonial. São quatro e meia da manhã.
Surge então o protagonista, Zé-do-burro, um homem de 30 anos, magro, de estatura média, feições vulgares, carregando uma imensa cruz de madeira nas costas. Ao seu lado está a esposa, Rosa, descrita como uma bela mulher de "sangue quente", ao contrário do marido, com ar sereno e manso. O casal está junto a oito anos.
Ambos estão a espera de que a igreja seja aberta para que se cumpra uma promessa. Como o burro Nicolau, considerado por Zé como o seu melhor amigo, sobreviveu a um raio, ele fez uma promessa de que carregaria uma cruz de madeira até a igreja. O apelido Zé-do-burro foi justamente dado em homenagem ao afeto que o homem nutria pelo animal.
Com a ameaça da vida de Nicolau, seu dono procura o Preto Zeferino, que era um afamado rezador conhecido por curar todas as doenças. Sem ver melhoras em Nicolau, Zé vai para o candomblé de Maria de Iansan pedir ajuda. Lá conta para a Mãe-de-Santo aquilo que se passa e ela sugere que se faça uma grande promessa.
Como Iansan é Santa Bárbara, Zé-do-burro prometeu que carregaria uma cruz de madeira da roça onde vivia até a Igreja dela, no dia da sua festa, uma cruz tão pesada quanto a de Jesus. O martírio de carregar a cruz fez com que os ombros de Zé ficassem em carne viva, os pés já tinham enormes bolhas d'água.
O burro subitamente ficou bom, do dia para a noite, o que fez com que Zé atribuísse a sua melhora repentina ao resultado da promessa.
A peça tem momentos de humor como, por exemplo, quando Rosa e Zé discutem por almofadinhas. A mulher queria que o marido cumprisse a promessa de carregar a cruz nos ombros com almofadinhas, mas o marido se recusou veementemente:
ZÉ
Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas.
ROSA
Não usou porque não deixaram.
ZÉ
Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: - Ah, você é o Zé-do- Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo.
Por fim, Zé-do-burro cumpre a promessa tal qual Jesus, sem nenhuma proteção, apesar de todo o sofrimento, e carrega a cruz de madeira durante sete léguas. O casal chega finalmente a Igreja de Santa Bárbara.
Enquanto esperam na frente da igreja - porque a porta se encontra fechada devido a hora - conhecem Marli e Bonitão, um casal peculiar composto por uma prostituta e pelo seu cafetão.
Ela, uma mulher de vinte e oito anos e pintura exagerada, descrita como uma beleza triste e suicida. Bonitão, por sua vez, é frio, insensível e submete Marli, assim como as suas tantas outras mulheres. Arrogante e vaidoso, veste-se sempre de branco, com colarinho alto e sapatos de duas cores.
O humor se repete em situações inesperadas, como, por exemplo, no diálogo entre o cafetão Bonitão e Zé-do-burro:
BONITÃO
Não falei por mal. Eu também sou meio devoto. Até uma vez fiz promessa pra Santo Antônio...
ZÉ
Casamento?
BONITÃO
Não, ela era casada.
ZÉ
E conseguiu a graça?
BONITÃO
Consegui. O marido passou uma semana viajando...
ZÉ
E o senhor pagou a promessa?
BONITÃO
Não, pra não comprometer o santo.
ZÉ
Nunca se deve deixar de pagar uma promessa. Mesmo quando é dessas de comprometer o santo. Garanto que da próxima vez Santo Antônio vai se fingir de surdo. E tem razão.
Bonitão, um valente sem vergonha que percebe imediatamente a inocência do marido de Rosa, começa a se engraçar com a moça, que estava exausta da viagem e da promessa feita. Zé-do-burro ingenuamente não percebe nada do que está acontecendo.
Vendo o cansaço da mulher diante da igreja fechada, o cafetão se oferece para leva-la até um hotel. Ela até resiste, mas ao final vai e deixa o marido para trás. Rosa fica hospedada no hotel Ideal, no segundo andar, quarto 27.
Finalmente o jovem padre Olavo aparece e, quando percebe, em meio a conversa, que a promessa foi feita em um terreiro de candomblé, impede o devoto Zé de entrar na igreja.
Teimoso e sem querer desagradar a santa, Zé-do-burro persiste querendo entregar a cruz, apesar dos apelos da mulher para se irem embora.
Eis que surge um repórter sensacionalista, interessado em vender a história. Ele distorce toda a situação e acaba por pintar Zé-do-burro como um messias apoiante da reforma agrária.
Bonitão, deveras interessado em Rosa, convence o policial Secreta de que o repórter tinha razão.
Furioso por ter sido impedido de entrar na Igreja de Santa Bárbara, Zé perde a razão e é repreendido pela polícia. Ainda mais revoltado por não conseguir cumprir a sua promessa, se recusa a ir detido. Por fim, no calor do momento, o policial Secreta o assassina cravando seu trágico destino.
Personagens principais
Zé-do-Burro
Um homem vulgar, do interior, casado com Rosa. Um belo dia, diante de uma situação difícil, faz uma promessa de carregar uma cruz de madeira até a Igreja de Santa Bárbara.
Nicolau
Um burro de estimação. Zé-do-Burro o considerava como um melhor amigo.
Rosa
Esposa de Zé, uma mulher atraente que acaba caindo na lábia de Bonitão.
Marli
Prostituta, de vinte e oito anos, extremamente pintada, o que lhe conferia mais dez anos. É descrita como uma mulher de uma beleza doentia e triste. É abusada por Bonitão.
Bonitão
Gigolô, descrito como estatura um pouco acima da média, forte e de pele trigueira, amulatada. Cabelos lisos, brilhosos devido a gomalina, lábios grossos. De ascendência negra, submete aquelas que consideram ser suas mulheres.
Padre Olavo
Muito devoto, jovem, padre Olavo se recusa a receber Zé-do-burro na igreja porque o sujeito foi procurar ajuda no curandeiro Zeferino e no Candomblé de Maria de Iansan.
Preto Zeferino
Famoso por curar os males da região, o feiticeiro faz rezas para tentar curar o burro Nicolau.
Secreta
O policial da região acredita na versão contada por Bonitão e acaba por assassinar Zé-do-burro.
Filme O pagador de promessas
O livro foi adaptado para o cinema em 1962, contando com a direção e roteiro de Anselmo Duarte. A produção foi de Oswaldo Massaini e o elenco teve grandes nome como :
- Leonardo Villar (Zé do Burro)
- Glória Menezes (Rosa)
- Dionísio Azevedo (Padre Olavo)
- Norma Bengell (Marli)
- Geraldo Del Rey (Bonitão)
- Roberto Ferreira (Dedé)
- Othon Bastos (Repórter)
- João Desordi (Detetive)
Confira o filme O pagador de promessas na íntegra
Prêmios recebidos
A adaptação cinematográfica recebeu diversos prêmios, entre eles a importante Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes, em 1962.
Segue abaixo a lista de premiações vencidas apenas no ano de 1962:
- “Palma de Ouro”, do Festival de Cannes
- 1° Prêmio do Festival de S. Francisco (EUA)
- "Critics Award” do Festival de Edimburgo, Escócia
- I Prêmio do Festival da Venezuela
- Laureada no Festival de Acapulco, México
- Prêmio “Saci” (S. Paulo)
- Prêmio Governador do Estado (SP)
- Prêmio Cidade de S. Paulo
- Prêmio Humberto Mauro
Descubra Dias Gomes
O escritor baiano nasceu em Salvador, no dia 19 de outubro de 1922 e faleceu aos setenta e sete anos no dia 18 de maio de 1999.
Quando completou 13 anos, o autor mudou-se para o Rio de Janeiro, onde frequentou aulas de direito e engenharia, embora não tenha se formado em nenhum dos dois cursos.
Sua primeira peça foi escrita quando tinha apenas 15 anos e já recebeu o prêmio do Serviço Nacional do Teatro. A partir de então escreveu uma série de textos para o teatro, muitos deles encenados por Procópio Ferreira.
Aos 22 anos, Dias Gomes resolveu investir no rádio. O escritor foi levado a frequentar este universo através do pai, Oduvaldo Vianna.
Além de atuar no rádio, continuava com a escrita, de modo paralelo, compondo romances e deixando de lado provisoriamente o universo do teatro. Retornou a escrita teatral apenas em 1954, com uma nova peça dirigida por Bibi Ferreira.
Foi em 1960, quando Dias Gomes tinha 38 anos, que lançou o seu maior sucesso: O pagador de promessas. A escrita encantou espectadores do Brasil inteiro e a história ultrapassou barreiras, tendo chegado ao exterior.
O sucesso foi tamanho que a adaptação cinematográfica foi premiada com a Palma de Ouro no festival de Cannes em 1962.
Durante o período da ditadura militar, Dias Gomes foi muito pressionado pela censura, que vetou diversos textos. Nesta época, voltou-se para a televisão, tendo se tornado autor de uma série de novelas.
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