Livro Iracema, de José de Alencar

Laura Aidar
Revisão por Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Tempo de leitura: 10 min.

Iracema é uma obra literária escrita por José de Alencar e publicada em 1865.

Faz parte da primeira fase do romantismo brasileiro, que ficou conhecido como Indianismo, em que aspectos históricos, nacionalistas e indígenas são exaltados.

O romance traz a representação da união entre portugueses e os povos originários de forma idealizada, além de aliar ficção e fatos históricos.

Resumo da obra

No romance, a protagonista Iracema, uma mulher indígena, se apaixona por Martim, um português. Juntos eles têm um filho, Moacir, considerado o primeiro brasileiro, fruto do amor entre uma colonizada e um colonizador.

O encontro de Iracema com Martim

Iracema é uma índia, filha do pajé Araquém, nascida e criada em uma tribo nos campos dos Tabajara. A jovem vigiava as florestas até um dia atacar aquele que pensava ser um invasor.

Quem recebeu a flechava foi Martim, um aventureiro português.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

Culpada por disparar a flecha de modo precipitado, Iracema imediatamente socorre Martim e o leva para sua tribo para tratar dos ferimentos.

Martim é apresentado à tribo de Iracema

Como Martim oferece ajuda à Araquém, pai de Iracema, para defender a tribo, ambos criam uma relação estreita e o pajé propõe, em troca da proteção, mulheres e hospedagem.

Quando o guerreiro terminou a refeição, o velho pajé apagou o cachimbo e falou:
— Vieste?
— Vim, respondeu o desconhecido.
— Bem vieste. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão.

Martim não aceita as mulheres que lhe são oferecidas porque só tem olhos para Iracema.

Teoricamente nada impediria o casal composto por uma índia e por um português de ficar junto, exceto o fato de Iracema deter o segredo de Jurema, o que faz com que ela precise se manter virgem.

A paixão entre Iracema e Martim

Martim e Iracema se apaixonam e passam a viver um amor proibido, migrando para uma cabana afastada da tribo. O resultado desse amor surge após alguns meses: nasce Moacir, longe da tribo.

A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.
— Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.

O romance entre o casal, no entanto, não dura muito tempo. Martim dá sinais que sente falta da sua terra e Iracema percebe que sente saudades do seu povo.

Ao final do romance, Iracema morre e Martim leva o pequeno Moacir para viver em Portugal.

Iracema, pintura de José Maria de Medeiros representando mulher indígena
Iracema (1881), pintura de José Maria de Medeiros

Personagens principais e seus significados

Iracema

É filha do pajé Araquém, nasceu e se criou nos campos dos Tabajaras. Fisicamente Iracema é descrita como "a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira".

O nome Iracema é um anagrama de América, ou seja, é escrito com as mesmas letras do continente. A jovem simboliza os nativos que viviam no Brasil antes da chegada do colonizador.

Martim

Valente, Martim Soares Moreno é um aventureiro português que vem para o Brasil ainda pouco conhecido, apenas povoado por algumas tribos indígenas.

Ao conhecer a índia Iracema imediatamente se apaixona por ela. O nome dado ao protagonista faz referência a um personagem histórico real, um sujeito que teria sido o responsável pela fundação do Estado do Ceará.

Martim simboliza os portugueses que migraram rumo à colônia para tentar explorar a região.

Moacir

É o filho do casal Iracema e Martim. Iracema dá à luz a Moacir sozinha, enquanto Poti e Martim saem para uma batalha. Depois da morte da mãe, Iracema, Moacir é levado pelo pai para viver em Portugal.

Moacir traz como significado a gênese do povo brasileiro: fruto da relação de um nativo com um europeu.

Poti

O guerreiro Poti é amigo fiel de Martim. A amizade entre os dois é tão forte que Poti abandona a tribo e se muda para a cabana distante a fim de viver com o casal e ajudar o amigo.

Assim, Poti pode também simbolizar a subserviência do indígena ao europeu, assim como Iracema.

Análise do livro Iracema

Idealização do povo indígena e exaltação da terra

Na obra-prima de José de Alencar encontramos uma protagonista altamente idealizada. Iracema é uma representante romântica do seu povo, a moça é descrita como corajosa, honesta, generosa, doadora, encantadora, bela, casta e pura. Símbolo do amor e da maternidade, Iracema não vê maldade ao seu redor.

Mas não é apenas a personagem principal feminina que é romantizada, o próprio cenário é idealizado. O Estado que abriga a história, o Ceará, aparece como um espaço paradisíaco, um cenário idílico que serve como pano de fundo para uma paixão proibida e avassaladora.

O simbolismo de Moacir

O pequeno Moacir é o simbolicamente não só o primeiro cearense, como também o primeiro brasileiro. Ele é igualmente tido como o primeiro mestiço, o primeiro indígena e, ao mesmo tempo, não indígena, fruto da relação de uma índia com um branco.

Produto do sofrimento, o rapaz é símbolo do encontro e do desencontro. Ele é resultado de uma paixão avassaladora, mas também é a representação do destino de um amor inalcançável.

É importante sublinhar que, na narrativa, para Moacir viver a mãe precisa morrer. Iracema perde a vida logo depois de dar à luz e o pequeno bebê é levado para o velho continente onde será educado.

Em termos alegóricos, pode-se afirmar que é a partir do sacrifício (voluntário) do índio que nasce o primeiro brasileiro. Dessa forma, a obra destaca a resignação e submissão dos indígenas aos colonizadores, como se fosse uma qualidade a ser exaltada. É o que sugere o intelectual Alfredo Bosi:

Nas histórias de Peri e de Iracema a entrega do índio ao branco é incondicional, faz-se de corpo e alma, implicando sacrifício e abandono da sua pertença à tribo de origem. Uma partida sem retorno. Da virgem dos lábios de mel disse Machado de Assis em artigo que escreveu logo que saiu o romance: "Não resiste, nem indaga: desde que o olhos de Martim se trocaram com os seus, a moça curvou a cabeça àquela doce escravidão".
O risco de sofrimento e morte é aceito pelo selvagem sem qualquer hesitação, como se a sua atitude devota para com o branco representasse o cumprimento de um destino, que Alencar apresenta em termos heroicos ou idílicos.

A importância da publicação

Iracema foi publicado em 1865 e inicialmente possuía o subtítulo Lenda do Ceará.

Literariamente importante para todo o país, a verdade é que o romance foi ainda mais marcante para a história do Estado cearense. Para se ter uma ideia da importância da publicação, o nome da protagonista serviu de inspiração para uma série de monumentos da região além de ser o nome da sede do governo e de um trecho da orla de Fortaleza.

A criação literária partiu de uma tentativa do autor de criar uma ficção de fundação. Iracema pretende tecer uma construção de identidade nacional e, ao mesmo tempo, racial.

Intelectual preocupado com a política do país, José de Alencar encontrou na composição do romance uma maneira de contribuir para o estabelecimento de um mito de origem. Mito esse bastante idealizado, que exclui a dominação, extermínio e escravização dos povos originários.

Corrente literária: o Indianismo

O Indianismo foi uma das fases do Romantismo. Durante esse período procurou-se voltar ao passado, à gênese do povo brasileiro, evocando o nacionalismo e exaltando as belezas naturais do nosso país.

O movimento romântico preconizava uma fuga da realidade, considerada sem graça e entediante. Nesse sentido foi interessante a solução que o movimento encontrou: voltar os olhares para o indígena como uma figura idealizada. Nesse contexto o indígena se transformou em uma espécie de herói nacional.

Iracema pertence a chamada trilogia indianista de José de Alencar. Os outros dois romances que o acompanham são O Guarani (1857) e Ubirajara (1874).

Iracema no cinema

O romance de José de Alencar foi levado ao cinema em 1979 por Carlos Coimbra com o título Iracema, a virgem dos lábios de mel.

Iracema foi interpretada por Helena Ramos, vista como símbolo sexual da década de 70. A produção tem classificação etária de 16 anos.

Outras produções cinematográficas foram feitas baseadas na obra. Um filme que tomou emprestado o título do romance para tratar da questão indígena é Iracema - Uma transa Amazônica, de 1974, que aborda a prostituição de garotas indígenas, trabalho escravo e devastação da floresta amazônica.

Sobre José de Alencar

Nascido no Ceará, o escritor se inspirou na cultura local para escrever Iracema. José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, zona atualmente incorporada ao município de Fortaleza, em 1º de maio de 1829. Estudou no Rio de Janeiro, onde cursou o ensino elementar e secundário, e em São Paulo, onde se formou em Direito.

Exerceu a função de advogado embora tenha ultrapassado os muros do direito: foi jornalista, orador, crítico teatral, escritor e político. Chegou a ser deputado e ministro da Justiça.

Ocupou também a cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras.

Morreu jovem, com apenas quarenta e oito anos, de tuberculose, no dia 12 de dezembro de 1877.

José de Alencar
Retrato de José de Alencar.

Quer conhecer Iracema?

O romance Iracema está disponível para download gratuito através do domínio público.

Para ouvir o livro acesse o audiobook:

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Laura Aidar
Revisão por Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.
Rebeca Fuks
Edição por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).