Livro Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 6 min.

Publicado em 1971, o livro de contos Felicidade Clandestina reúne vinte e cinco narrativas breves. Alguns dos trabalhos editados já haviam sido publicados em jornal anteriormente, outros foram composições inéditas produzidas para a antologia.

A coletânea abarca obras-primas como Menino a bico de pena, O ovo e a galinha e Restos de carnaval.

Sobre o livro

Os contos reunidos na antologia Felicidade Clandestina são passados entre o Recife e o Rio de Janeiro, entre os anos de 1950 e 1960. Alguns dos trabalhos presentes no livro possuem forte traço autobiográfico, outros são composições completamente descoladas do cotidiano da autora.

A coletânea é bastante heterogênea, tanto no que diz respeito ao conteúdo quanto em relação a forma. Alguns trabalhos versam sobre a infância, outros sobre a solidão, outros hesitam sobre dilemas existenciais. No que diz respeito a extensão, não existe qualquer padrão, algumas narrativas são breves, outras são longas.

Contos presentes no livro na ordem de aparição

  1. Felicidade clandestina
  2. Uma amizade sincera
  3. Miopia progressiva
  4. Restos do carnaval
  5. O grande passeio
  6. Come, meu filho
  7. Perdoando deus
  8. Tentação
  9. O ovo e a galinha
  10. Cem anos de perdão
  11. A legião estrangeira
  12. Os obedientes
  13. A repartição dos pães
  14. Uma esperança
  15. Macacos
  16. Os desastres de sofia
  17. A criada
  18. A mensagem
  19. Menino a bico de pena
  20. Uma história de tanto amor
  21. As águas do mundo
  22. A quinta história
  23. Encarnação involuntária
  24. Duas histórias a meu modo
  25. O primeiro beijo
Primeira edição do livro Felicidade clandestina. Editora: Sabiá, 1971.
Primeira edição do livro Felicidade Clandestina. Editora: Sabiá, 1971.

Resumo do conto Felicidade Clandestina

Com forte cunho autobiográfico, o conto Felicidade Clandestina tem duas protagonistas: uma menina egoísta, gorda, baixa, sardenta, rica, filha do dono de uma livraria, e a sua colega da mesma idade que era uma leitora ávida.

A história se passa no Recife, cidade onde viveu Clarice durante a infância.

A narradora vivia pedindo emprestado para a menina os livros que ela não lia, mas a garota recusava-se veementemente a emprestar.

A situação se repetia todos os dias até atingir o ápice da crueldade, quando a narradora descobriu que a filha do livreiro tinha o tão desejado exemplar As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

A menina prometeu ceder o livro, mas todas as vezes que a narradora ia a sua casa ouvia que o exemplar estava emprestado para outra pessoa. Foram dias a fio vivendo essa rotina torturante, até que a mãe da menina percebeu o que estava se passando.

Muito surpresa com a situação, a mãe disse que o livro nunca saíra daquela casa e que a filha nem sequer o leu. Decepcionada com os requintes de crueldade da menina, fez questão de emprestar o livro e dizer que a jovem poderia ficar com ele o tempo que desejasse.

A alegria total e absoluta reinou quando finalmente a garota pode ter acesso As reinações de Narizinho:

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Leitura do conto Felicidade Clandestina feita pela atriz Aracy Balabanian:

Conheça Clarice Lispector

Nascida no dia 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia, e batizada como Haia Pinkhasovna Lispector, Clarice adotou o nome brasileiro foi morar no nordeste quando ainda era bebê (com dois meses). Os pais (o casal Pinkouss e Mania Lispector) fugiam da Guerra Civil Russa, ocorrida entre os anos de 1918 e 1921.

O primeiro destino dos pais foi Maceió, depois a família se instalou no Recife. Quando completou quinze anos, Clarice mudou para o Rio de Janeiro. A jovem cursou direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, embora nunca tenha exercido.

No que diz respeito a vida pessoal, casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente, e juntos tiveram dois filhos (Pedro e Paulo).

Em 1940, publicou o seu primeiro conto, intitulado Triunfo, em uma revista.

Sua primeira obra literária de peso foi o romance Perto do coração selvagem, escrito aos 19 anos de idade e publicado em 1944. Já nessa primeira criação era possível perceber o tom intimista característico da autora. Com o título recebeu o Prêmio Graça Aranha, concedido pela Academia Brasileira de Letras em 1945.

Seu livro de contos Laços de Família, também foi premiado, dessa vez com o Prêmio Jabuti.

Clarice foi colaboradora assídua da imprensa, começou nos anos 1960 tendo participado inclusive de diversas edições do Jornal a Noite, do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil.

No Jornal do Brasil publicou crônicas semanalmente entre 1967 e 1972. Muitas vezes assinou suas publicações em jornal com pseudônimos como Helen Palmer e Tereza Quadros.

Seu último livro publicado em vida foi A hora da estrela, lançado em 1977. Clarice morreu em 9 de dezembro de 1977, aos 56 anos de idade.

Clarice

Considerada uma escritora modernista (pertencente a Geração de 45), Clarice deixou uma vasta obra publicada que contempla criações dos mais diversos gêneros literários.

Confira a lista abaixo:

Romances
Perto do coração selvagem (1944)
O lustre (1946)
A cidade sitiada (1949)
A maçã no escuro (1961)
A paixão segundo G.H. (1964)
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969)
Água viva (1973)
A hora da estrela (1977)

Contos
Alguns contos (1952)
Laços de família (1960)
A legião estrangeira (1964)
A felicidade clandestina (1971)
A imitação da rosa (1973)
A via-crucis do corpo (1974)
Onde estiveste de noite? (1974)
A bela e a fera (1979)

Crônicas
Visão do esplendor (1975)
Para não esquecer (1978)
A descoberta do mundo (1984)

Livros infantis
O mistério do coelhinho pensante (1967)
A mulher que matou os peixes (1969)
A vida íntima de Laura (1974)
Quase verdade (1978)

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).